domingo, 10 de fevereiro de 2008

"Ahmadinejad não nos é imposto"


A sul de Teerão, perto do Aeroporto Internacional, na povoação de Robat Karim, a população esteve sem gás durante vários dias do mês passado e continua a sofrer cortes de energia ao meio-dia e durante a noite, dizem os residentes.

A escassez de gás natural no Irão originou uma crise quando o Turcomenistão cortou os fornecimentos, em Dezembro, após uma disputa sobre preços. O Irão não tem capacidade de refinação para as suas próprias necessidades.

Robat Karim é um aglomerado conservador, que desconfia dos estrangeiros e apoia o Presidente. Mas sem as ruas limpas da neve e com as noites frias, os nervos começaram a ceder. "Tenho um inquilino num apartamento do andar de cima e não temos gás há vários dias", afirmou Nour Asadzade, um lojista da povoação, de 70 anos. "Pediu-me ajuda, mas respondi que não podia fazer nada".

Do lado de fora, uma mulher de 52 anos caminhava cuidadosamente em cima do gelo, da estrada esburacada e das poças. "Quero dizer isto: 'Não, eles não nos ligam nenhuma'". Disse chamar--se Akram, mas depois ficou assustada e escapuliu-se para dentro de casa.

Durante anos parecia que o Irão estava a evoluir, afastando-se de um Estado definido pela ideologia revolucionária. O antigo presidente Ali Rafsanjani, ele próprio um pai da revolução, enfatizou o pragmatismo económico. O seu sucessor, Mohammed Khatami, aliviou as restrições sociais e clamou por um "diálogo de civilizações". Depois veio Ahmadinejad e uma nova geração, uma classe de homens que lutou na guerra de oito anos com o Iraque e que, desde aí, tem feito o Irão retroceder para um tempo em que a ideologia revolucionária definia o Estado. Kaveh Bayat, um historiador, afirma que o desejo de exportar a revolução está de volta". A ideia de que se não exportarmos a revolução, deixamos de existir está profundamente enraizada - esteve adormecida com Rafsanjani e Khatami, mas acordou agora", pensa Bayat. "Tentámos esquecê-la, mas está de volta."

Ahmadinejad mudou tanto o rumo do Estado que levou muita gente a afirmar que, três décadas depois da revolução, o Irão permanece um lugar definido por indivíduos e não por instituições.

Quase toda a gente parece reconhecer que um dos maiores problemas reside na natureza do sistema político - dividido como está entre as múltiplas facções, cada uma delas lutando por aceder ao poder. Não é um sistema concebido para soluções de compromisso e a luta interna pode mandar mensagens confusas para o mundo exterior. "Facilitaria muito o nosso trabalho se eles conseguissem chegar a um consenso", disse um diplomata ocidental em Teerão sob anonimato. Outro diplomata afirmou: "Estou siderado pela emoção e pelo antagonismo que demonstram na luta política entre eles".

Existem pelo menos duas opiniões sobre o caminho que o país está a tomar. Uma delas é a de que Ahmadinejad e os seus aliados precisavam de chegar ao poder para verificarem que a ideologia não é uma linha que possa ser adoptada com sucesso na governação de um Estado moderno como o Irão. As dificuldades económicas, segundo este ponto de vista, irão acabar por moderá-los ou marginalizá-los. "Chegaram ao centro do poder e percebem agora que dirigir um país como o Irão é difícil", disse um consultor de negócios em Teerão que o anonimato para evitar retaliações.

"A gestão dos recursos de gás, atinge todos os lares", afirmou o consultor. "Penso que com isto, o sistema como um todo atingiu um clímax". Outra opinião é de que Ahmadinejad e os seus aliados guiados pela ideologia não desistirão e não serão afastados do poder. "Do ponto de vista social, temos uma estrutura social preparada para a emergência do fascismo", pensa Bayat, o historiador. "Tal como a Europa da década de 1920, temos um proletariado insatisfeito à procura de soluções radicais e extremas. Ahmadinejad não nos é imposto."|- M. S. [fonte]

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